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 INSEGURANÇA ALIMENTAR 

 COMUNIDADES INDÍGENAS 

 CULTURA ALIMENTAR 

 Campo que produz e consome

 Com as políticas públicas de fomento à agricultura familiar, as zonas rurais do Ceará têm se auto sustentado com a produção de alimentos nos quintais e roçados 

 

      hegar em uma casa no interior do Ceará é ser recebido com os convites: “entre, tome um cafézinho”, “fiz um bolo de milho” ou “já coloquei mais água no feijão”. O hábito de comer é saciar a fome e socializar com os demais. No Ceará, a mesa da cozinha tem influências direta da cultura alimentar indígena, da cultura negra, da cultura regional popular e dos colonizadores europeus.

Nela estão presentes farinha de mandioca, milho, jerimum, feijão, ovo, coco, batata e tantos outros mais. Contudo, com a permanência da pandemia do novo coronavírus, famílias das comunidades rurais do Ceará se viram sem alimentos na mesa de casa. Segundo o estudo “Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil”, divulgado em abril deste ano pelo Grupo de Pesquisa Alimento para Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares na Bioeconomia, da Freie Universität Berlin, na Alemanha, 75,2% das famílias que vivem em áreas rurais foram atingidas pela insegurança alimentar com a chegada da pandemia. 

C

INSEGURANÇA ALIMENTAR GRAVE NO BRASIL

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Norte 
29,2%

Nordeste
22,1%

Sudeste
11,2%

Centro-oeste
12,6%

Sul
7,6%

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ZONAS RURAIS

75,2%

X

ZONAS URBANAS

55,7%

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FONTE: Grupo de Pesquisa Alimento para Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares na Bieconomia, da Freie Universität Berlin

A insegurança alimentar acontece quando não há acesso regular e permanente a uma alimentação nutritiva e de qualidade, em quantidade suficiente. Nesses casos, o conceito da fome vai além da sensação universal que todos possuem antes de comer. A fome é um estado crônico de carências nutricionais que pode levar à morte. Segundo Malvinier Macedo, ex-presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Ceará (CONSEA), o Brasil saiu do mapa da fome e, consequentemente, do cenário de insegurança alimentar em 2014.

“A FAO [Órgão das Nações Unidas ligado a Alimentação e Agricultura] avaliou os critérios e disse que o Brasil não estava mais no mapa da fome [em 2014]. E um dos critérios que me emocionou muito que contribuiu para isso foram as cisternas de placas e a cisterna de produção”, avalia.

Como apontado por Malvinier, as ações avaliadas pela FAO que ajudaram no alcance desse  objetivo foram: as políticas de segurança alimentar e nutricional garantidas pelo Bolsa Família e o benefício da prestação continuada (BPC), e o apoio à agricultura familiar, com ações que facilitaram o acesso ao crédito rural, conhecimentos de assistência técnica e maior segurança aos agricultores.

Dentre os principais fatores que potencializaram o aumento da insegurança alimentar e o retorno da fome nos estados do Nordeste estão: 

  1. A redução das políticas públicas de apoio à agricultura familiar com a extinção do Consea Nacional, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e da diminuição do repasse de verbas federais para o Programa Cisternas e outros editais

  2. A crise econômica que perdura no país desde 2014 e o aumento da desigualdade social 

  3. A crise hídrica que atinge o Brasil 

  4. A pandemia do novo coronavírus, que deixou milhares de famílias desempregadas e reduziu a participação das entidades nas comunidades rurais

Saiba mais

O reflexo no Ceará

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Eu tenho um quintal, o arredor de casa. Tenho uma agrofloresta, né? Que é chamado quintal também produtivo, que é uma área lá que tem o olho d'água. Tenho a cisterna de primeira água, tem a cisterna de segunda água e tem o reuso

conta a agricultora Maria de Fátima dos Santos

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Agricultora desde os 10 anos de idade, Maria de Fátima dos Santos já sabia que tinha que cuidar de ter o que comer hoje e amanhã. Esses ensinamentos vieram do pai e da mãe, também agricultores. “Eu e meu pai sempre trabalhamos na agricultura pensando no amanhã. A gente não pensava só no hoje, mas sim de tá construindo para que amanhã não faltasse”, explica.

Conhecida como Fafá, a agricultora mora na comunidade de Jenipapo, localizada no distrito de Barrento no município de Itapipoca, Ceará. Desde os anos 2000, a localidade é assistida pelo Centro de Estudos do Trabalho e Assessoria ao Trabalhador (Cetra). Ela conta que a parceria com a Organização da Sociedade Civil (OSC) trouxe mudanças no plantio, colheita e na alimentação na região.

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Maria de Fátima dos Santos, agricultora

O que mudou foi a maneira da gente cuidar do meio ambiente, cuidar da terra, porque antes a gente queimava, hoje a gente não queima mais. Aí assim teve mais um cuidado, fez os quintais, botou mais fruteira nos próprios quintais. Hoje a gente tem uma diversidade de plantas. Medicinais, de plantas frutíferas e de outras coisas. Convivendo com os animais, a gente fez tipo uma agrofloresta de tudo junto”, explica.

Água e terra: garantia de segurança alimentar

O Cetra é um dos braços do Programa Cisternas, do Governo Federal. O projeto foi responsável pela construção de 1,3 milhão de cisternas, equipamento que capta a água da chuva e serve como reservatório de água potável para o período de seca. Mais de cinco milhões de pessoas foram beneficiadas com as cisternas em todo o país. 

Contudo, com redução do repasse de recursos desde o governo Temer, o projeto corre sérios riscos de não existir mais e isso pode impactar a vida dos moradores de zonas rurais. “A gente tinha muitas dificuldades antes, hoje a gente tem pouco, porque tem as cisternas de primeira água e tem a cisterna de segunda água. Quase toda família tem uma cisterna da primeira água, tem muitos que tem da segunda água e ainda tem os reusos”, explica Fafá.

As cisternas são um reservatório que capta e armazena a água da chuva. Ela é fundamental para a convivência com o semiárido, já que garante que os camponeses tenham água durante todo o ano, mesmo com a seca.

O que é uma cisterna?

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Calçadão ou Enxurrada

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Captam a água da chuva por meio de calçadão de cimento e tem capacidade para 52 mil litros. A cisterna fica na parte mais baixa do terreno, próxima à área de produção. São voltadas para a produção de alimentos e criação de animais.

2° água

É tradicional. A água é captada quando cai nas calhas da residência e são levadas por um cano até o reservatório. armazenam a água voltada para o consumo básico

Cisterna de Placa

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1° água

Aproveita o descarte d'água de pias e banheiros destinando-o para irrigação de canteiros no quintal de casa (hortigranjeiros). Há uma filtragem da água a partir de um minhocário. a água é rica em nutrientes que servem para a irrigação dos plantios.

Reuso de Águas

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FONTES: Governo Federal, Agência Brasil e Articulação do Semi-árido Brasileiro (ASA)

A percepção de que as políticas de convivência com o semiárido - como a construção das cisternas - também está presente a pouco mais de 24 km de Fafá. A jovem agricultora Bárbara Santos explica a relação das políticas públicas e a segurança alimentar.

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Não tem como plantar o ano inteiro se a gente não tem como irrigar, porque o período de chuvas dura ali de dezembro até maio e junho, então passou esse período a gente não tem como produzir se não foi na irrigação. Então a gente precisa de política pra isso né, principalmente em relação à água e à terra

conta a agricultora Bárbara Santos

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Bárbara é moradora da comunidade Sítio Coqueiro, no Assentamento Maceió, em Itapipoca. A questão da terra também perpassa as dificuldades da produção agrícola. “Como é que eu vou produzir se eu não tenho terra? Por isso que a gente fala da reforma agrária, por isso que a gente fala da demarcação de terras de indígenas e quilombolas, para que a gente continue produzindo essa comida de verdade”, afirma.

A venda dos excedentes

A produção da agricultura familiar é que coloca o alimento no prato de muitas famílias brasileiras, sejam elas do campo ou da cidade. Isso porque, além de produzir para o consumo próprio, muitos agricultores separam os excedentes para vender nas feiras agroecológicas. “A gente produz, consome o que produz e vende o excedente”, explica Bárbara.

Segundo o técnico em agropecuária e meio ambiente, Ademir Ligório, a assessoria técnica do Cetra auxiliou na mudança da alimentação dos agricultores e na percepção do que se consegue produzir para comer e vender. “Antes você tinha muito a questão da produção dos sequeiros, que era o milho, o feijão, o jerimum e a melancia. Hoje, você chega no quintal produtivo e tem uma diversidade tanto de fruteiras como hortaliças também que são consumidas pelos próprios agricultores, que criaram esse hábito de consumir os produtos e também de comercializar nas feiras”, avalia.

Se de um lado os agricultores criaram esse hábito, do outro, os consumidores se tornaram assíduos nas feiras. “O consumidor ali ele sabe quem produz aquele produto, sabe a forma como é produzido e cria uma relação muito bacana entre quem tá consumindo e quem tá produzindo”, explica Ademir.

Maria de Lourdes, mais conhecida como Lurdinha, comercializa nas feiras da agricultura familiar desde 2012. Moradora da comunidade de Bom Jardim, em Quixadá (CE), ela afirma que desde pequena já entendia que um alimento saudável era produzido sem agrotóxicos. “Eu nunca usei veneno, meu pai nunca gostou. Já nasci e cresci assim”, comenta.

Com seus produtos naturais e saudáveis, ela participa das feiras de Quixadá, no Instituto Antônio Conselheiro em Quixeramobim e na feira agroecológica e solidária de Fortaleza. “Ainda tem gente que prefere o supermercado porque vê os produtos grandes e bonitos. Isso porque geralmente, como a gente não usa agrotóxicos, é bem diferente, né? Porque é saudável o que a gente faz, o que a gente produz sem o veneno”, explica. 

Em compensação, os clientes assíduos procuram as feiras em busca de um produto com qualidade. “Eles sabem que é um produto livre de agroquímicos, que foi produzido em um processo de respeito ao meio ambiente”, afirma Ademir.

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